Thursday, February 25, 2016

Como pintar quadros (e ser reconhecido)

Paisagens iguais de Ricardo Ramalho 2005, Porto, Portugal
Uma vez eu disse que era artista e me perguntaram: você faz o que? Respondi: pinto quadros. A pessoa respondeu "Que gostoso!"

Como tenho um pendor educacional tive que explicar que pintar quadros não era assim tão gostoso. É uma atividade muito contida, de movimentos precisos, calculados, exige disciplina, dedicação, isolamento e capacidade de gestão da carreira. E se não for assim o artista passa fome. O trabalho artístico não é bem compreendido por 90% da população, sendo otimista. Se a pessoa diz "sou cirurgião" ninguém responde "que gostoso".

Então vamos ao que interessa: como pintar quadros e ser reconhecido.

Você precisa pintar em série. Veja o exemplo de Pollock. Suas pinturas parecem muito soltas. Mas se olhar o conjunto das obras onde utiliza a técnica do dripping (gotejamento sobre a tela) verá que o conceito do trabalho é o mesmo em dezenas de pinturas. Isto é pintar em série: manter um padrão conceitual coerente. Como pode ver não é assim tão solto e gostoso, é até bem mecânico. Sim, é uma linha de montagem. Uma vez eu dei um curso de pintura no MAM que se chamava "Indústria de Arte". Cada aluno deveria pintar três telas com o mesmo conceito. O curso foi um sucesso. Outro exemplo Beatriz Milhazes, nossa artista milionária viva: pinta sempre seus ornamentos abstratos aleatórios, como mosaicos ou caracois, em cores vivas e chapadas. Sua obra ja atingiu um milhão de doláres em leilão. As pessoas precisam disso, elas querem olhar uma obra é dizer "isto é um fulano de tal". Como você sabe que é ele? "Ele pinta a mesma coisa há 30 anos".

Quer fazer diferente? Quer pintar cada hora uma coisa? Boa sorte, pense duas vezes antes de me procurar, tenho uma família para alimentar. Os curadores não podem dar muita trela para o amadorismo, eles precisam cuidar da aposentadoria e sugiro que todos façam o mesmo.

A coerência na produção é um princípio básico para alavancar carreiras artísticas. Fotógrafos e escultores fazem o mesmo. A grande fotógrafa Rochele Costi por exemplo e suas famosas fotos de quartos. Não seria o caso de fotografar cozinhas e banheiros. São apenas quartos. E assim ela está nas melhores galerias e museus. Pode até desenvolver séries distintas, séries paralelas, ou séries sucessivas, desde que sejam em série. Ja reparou que em exposição de galeria tudo parece igual? Mais de uma vez fiz exposições com pinturas em série, absolutamente iguais (vide foto). Isto sim é coerência.

Muito bem, você conquistou sua coerência, você tem suas referências para isso e agora? Faça exposições. Sem as exposições você não é nada. Não é sequer um artista. Depois da sua primeira exposição aí sim poderá se auto-proclamar artista. E ninguém duvidará. 

As exposições são essenciais para amadurecer o trabalho, ouvir o feedback das pessoas, dar a conhecer a obra para o público especializado (curadores, críticos, colecionadores, marchands). As exposições ajudam a registrar a carreira, a catalogar as obras, elas conferem legitimidade ao artista e confiança ao investidor. Expor é uma ferramenta de autoestima do artista, dá uma sensação de dever cumprido, de contribuição à sociedade. Existem lugares bons e menos bons para expor, locais alternativos ou oficiais, locais com boa luz ou na penumbra. Seja criterioso, sem ser purista, pode desbravar novos espaços mantendo um minimo de qualidade. Também não adianta ter o currículo repleto de exposições em churrascarias... convém expor num restaurante japonês de vez em quando.

Okay, você tem obras coerentes e faz exposições. O que mais? Tudo depende da sua ambição. Quer ficar rico mesmo? Contrate assistente para produzir feito louco e inundar o mundo com sua arte. Quando maior sua produção maior poderá ser seu alcance no mercado. Mantenha um portfolio bem feito com suas obras, um site ou blog para facilitar a apreciação. Saiba negociar e pagar comissões, não seja duro no comércio. Sociabilize, frequente vernissages, entre em panelas, "tenha uma carteirinha de artista" como diz o Nelson Leiner. Um desafio importante é se manter na crista da onda, ou pelo menos na marola. Fazer sempre a mesma coisa pode também gerar críticas desfavoráveis. Cuidado com a decadência. Dizem que certos artistas plagiam a si mesmos. Vai vendo a dureza do nosso meio. Muito cuidado no mundo da arte. Gostoso mesmo são vernissages bem servidas.

Sucesso! Ricardo Ramalho

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