Friday, October 23, 2015

O erro do artista que vende por fora


Toda galeria cobra uma merecida comissão pela venda das obras. A comissão de 40% ou 50% costuma impressionar os leigos e revoltar os marginalizados. A defesa desta comissão aparece noutros textos meus, vou justificar brevemente mais uma vez aqui. Uma grande galeria tem entre 10 a 20 funcionários altamente qualificados. Imagine o custo disso. Tem muito mais: um espaço grande e dispendioso, investe nas exposições, tem despesas contabilísticas, assessorias e precisa de caixa para feiras, manutenção e armazenagem de obras de artistas. O artista argumenta "eu também tenho custo de aluguel". Não dá para comparar o custo de manutenção de uma galeria com um atelier.

Alguns artistas tem clientes próprios e vendem por fora diretamente, mesmo sendo representados por galerias. Acreditam assim que estão resguardando seus interesses. Estão enganados. Por que? Porque estão concorrendo com seu principal distribuidor local, estão prejudicando os resultados da galeria, e consequentemente enfriando e distanciando uma relação que deveria ser próxima e produtiva. A galeria investe na divulgação do artista, mas este, excessivamente competitivo, aproveita-se da visibilidade e vende por fora, de fora dura, alegando que a galeria só merece comissão sobre seus próprios clientes: isto não é visão de equipe, não é liderança, não é parceria. É natural nestes casos que a galeria perca interesse no artista. E se as galerias não têm interesse no artista, nenhum curador tem. Sem interesse de curadores e galeristas os colecionadores também se afastam. Sem galerista, sem curador e sem colecionador, não tem museu.

Uma coleção próspera é formada por obras de artistas que transitam bem pelo circuito. Todo artista com ambições de ser independente se aproxima do modelo Romero Britto de fazer negócio: rico, porém marginalizado e sem relevância. (O maior problema do Britto não é tanto sua obra, mas sua atuação). O artista que vende por fora, quer tomar a comissão da galeria para si. Por causa deste pequeno valor acaba comprometendo sua inserção no longo prazo e a evolução dos seus preços. É como se uma fábrica vendesse para o publico mais barato do que os distribuidores: isto quebra a distribuição, reduz o alcance e prejudica a fábrica. É como se o artista criasse um mercado paralelo de sua própria obra.

Uma vez numa palestra da FAAP o icônico galerista Marcantonio Villaça disse "Todas as obras do artista estão na galeria. No atelier não tem nada: só obras inacabadas". Outra figura bem sucedida nas artes é o Vik Muniz. Uma vez visitei sua nova casa em construção no Brooklin (NY). Era um armazém tão grande que ousei perguntar "Você vai ter uma sala expositiva aqui?". Resposta: "Não. Não trabalhamos assim aqui". Outro exemplo: eu estava com o amigo artista Caio Reisewitz visitando a mega galeria Mario Sequeira em Braga, Portugal, onde ele participava de uma coletiva. O marchand entusiasmado com a presença do artista fez o convite "quer fazer uma individual aqui?". A resposta surpreendente do Caio: "Fala com a minha galeria".

Diversos artistas adotam este outro modelo de relacionamento. Todas as transações passam pela galeria. Isso fortalece a representação, clarifica as relações, dá segurança para o investidor e o curador, torna sua cotação mais robusta, melhora o lobby do artista no circuito local, clarifica melhor os compradores e deixa tudo mais transparente. É preciso ter as costas largas neste mercado. Não é novidade que o mundo da arte é complicado.

O valor da obra de um artista não é mérito somente dele. A galeria ajuda a conferir este valor. A representatividade do artista no circuito, os convites para exposições, a confiança despertada nos atores do sistema ajudam a legitimar a posição e a cotação do artista. Toda galeria é um espaço institucional. Quando o artista abdica de valorizar as instituições da arte seu destino é um só: a marginalidade. Nunca é tarde para rever estratégias e costurar boas relações.

Sucesso,
Ricardo Ramalho
23-10-2015




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